domingo, 10 de fevereiro de 2008

Dia 44 - As Gordas Valquírias

Esta semana decidi ir a NY a um sábado, a ver se havia alguma diferença. Queria deambular pelas ruas e ver os Judeus todos contentes a festejar o seu descanso semanal, queria encontrar as galerias de Chelsea abertas, queria conhecer todo um diferente rol de Nova-Iorquinos, menos domingueiros. Tudo isto me saiu gorado. Acabei por não deambular um caraças, acabei por não ver galerias nenhumas e não vi grande diferença nas pessoas que encontrei... E porquê?
Por causa das Gordas Valquírias...
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Já há algum tempo que queria ver uma ópera como deve ser. Uma ópera com grandes cenários, num sítio majestoso, com bons cantores, uma coisa a sério. Ora, aproveitando o facto de estar em NY, foi mesmo desta, escolhi ir ver Die Walküre, a tal ópera de Wagner que dá uma música à cena dos helicópteros do Apocalypse Now! Tan tan taran raraaaaaan! E isto no Metropolitan Opera de NY.
Ah! caramba, um coisa em grande! O espectáculo começava ao meio dia, e eu pensei para comigo, vou cedito, saio e ainda dá tempo de passear um pouco... Qual quê, aquilo tinha 5 (cinco) horas e o pior de tudo... comprei o bilhete mais barato, 20 USD... o bilhete que que permite assistir a todo o espectáculo...de pé... Esta aventura prometia tornar-se numa grande canseira...

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Mas não, a coisa lá se resolveu passado o primeiro acto. Após o héroi Siegmund ter encontrado a sua irmã Sieglinde numa casa no meio da floresta, lhe ter jurado eterno amor, a ter roubado ao legítimo e abestalhado esposo (que o tinha anteriormente ameaçado de pancada ), fugido com ela para logo a seguir a comer à fartazana debaixo de uma árvore, na chegada da primavera, (momento este que se saberia mais tarde ter originado no seu ventre um filhote que viria a ser mitológicamente importante (e provavelmente mongolóide)) acabou o I acto, com o acto sexual incestuoso a ser cortado pelo descer do pano, isto enquanto as minhas pernas já ameaçavam câimbras... Estes alemães são doidos.
Tinha observado já que muitos dos meus vizinhos dos lugares em pé tinham subitamente desaparecido mesmo antes do espectáculo começar. Topei entretanto que se tinham esgueirado para lugares vazios. Claro que queria fazer o mesmo (eu é qui nãom sou parevo). O meu problema é que tinha mesmo ao meu lado um velhote do staff, sentado numa cadeirita, a controlar as coisas, e não me podia armar em inocente visto que já lhe tinha perguntado muito candidamente se me poderia sentar numa daquelas cadeiras mais à frente (ele claro que disse, não te posso deixar fazer isso... duh!.. )



Mas não fui de modas, controlei um lugar vazio, lá mais para a frente, e enquanto a manada de pessoas saía para se refrescar, fintei o velhote e abarbatei-me nervosamente do lugar. Ele deve ter topado, mas partenalisticamente, nem se deu ao trabalho de não me deixar sentar por ali..Por lá fiquei até ao final do espectáculo que só acabou 4 horas depois, com o pai-Deus da valquíria Brunhilde totalmente furibundo por esta ser mal comportada e ligeiramente irreverente, a exagerar naquilo tudo e a castigá-la com um feitiço que a põe a dormir durante uma eternidade num sítio ermo (à espera de um homem que a acorde) para depois de ela adormecer, num acto ainda mais despropositado de fúria sentimental pegar fogo àquela porcaria todo e sair dali a sete pés.(ao bom estilo mitológico do Ulisses)

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Claro que sentadinho já deu para apreciar melhor o espectáculo.

E digo-vos, que espectáculo!!! Nunca vi um cenário assim. Uma coisa construída à exaustão das leis da perspectiva, com uma profundidade totalmente manipulada. Uma luz de tal forma bem feita que criava efeitos marados com o cenário, me trocava os olhos e me confudia a percepção. Parecia que estava a ver um filme a três dimensões, mas sem aqueles óculos estúpidos. Uma orquestra sublime com um maestro cabeludo e esponpanante. E depois, claro, as gordas e os gordos aos berros em alemão (com legendas em inglês a passar nas cadeiras).

Deixo-vos uma imagem onde dá para perceber um pouco a perspectiva da coisa. É pena que não dê para ver bem em altura, nem que se perceba muito bem a escala, onde aquele penhasco parece mesmo estar no topo de uma montanha. Lá ao fundo viam-se nuvens e os dias passavam da côr do amanhecer, aos tons de pôr do sol.(Porreiro também eram as escarpas do II Acto. Em cada acto lá atrás do pano eles deviam ter um exército a mudar o cenário - de hall de entrada de uma casa da floresta -para vale entre duas majestosas escarpas- para o cimo de uma montanha)

O meu plano original, depois de saber que a coisa demorava 5 horas e iria estar em pé, era ouvir aquela músiquinha do tan tan ta ran ran raaaan e pôr-me a andar .. isto sem saber que essa musiquinha é a abertura do III Acto e o 3º é o último acto, onde as valquírias regaladas lá se vão rindo e dando berrinhos histéricos enquanto olham os homens a degladiarem-se lá embaixo. (cliquem no tan tan ta tan e tal, para ouvir a dita musiquinha bem alto. É capaz de demorar um pouco, mas depois de descarregada, se andarem com ela para a frente dá para ouvir todas as partes da primeira cena do último acto. Se quiserem ouvir a coisa mais rapidamente cliquem aqui e oiçam um excerto desta ópera, mas dirigida por um outro maestro. Aviso que a qualidade de ambos os links não é grande coisa).

No final de contas foi bom ter esperado pelo final. A história até é engraçada, deu para descobrir que o Tolkien com o seu senhor dos anéis sacou descaradamente a ideia do Anel dos Nibelungos. Foi bom para ver o portento que pode atingir uma cenografia bem feita e uma luminotecnia minuciosamente pensada. Foi bom saber que se pode pegar fogo ao palco só com fumo e luz, encher aquilo tudo de nevoeiro e isto sem que nenhum velho da plateia comece a tossir. E foi bom para saber o nível a que podem chegar os agudos de uma gorda em apuros.

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Quando saí do MET eram jà 5 e meia. A essa hora por aqui já é de noite... e tinha uma festa em Queens às 7. Resultado, deu apenas para passear um pouco por Chelsea, mas sem ver grande porcaria. Fica para a próxima, pode ser que se encontre algo de jeito por aqueles lados.

3 comentários:

* disse...

'tás culto, rapaz... olha que o Wagner é de truz! O que é engraçado é saires para veres os judeus no sabatt e acabares a ver uma obra prima de um conhecido (ainda que fenomenal artista) anti-semita. E isso é obra.

• pO • disse...

o que tu tens é uma bela vida! Ópera, bom teatro, belas vistas... as portas que um doutoramento abre!

Anónimo disse...

E um pouco de poesia não fará mal ao doutoramento.Penso eu.

Como sabes meu querido Gil, o Wagner foi uma excepção. Penso, tenho a certeza, que o gajo é um castiço, que deambula entre almas perdidas, bebendo o belo carrascão, e reclamando do galego as colcheias que faltam na pauta de um fim de tarde.

hoje, deixo-te, para o doutoramento, douto, um belíssimo poema de um poeta timorense, para decorar este blog finito

"Quem não me deu Amor, não me deu nada.

Encontro-me parado... Olho em meu redor e vejo inacabado O meu mundo melhor.

Tanto tempo perdido... Com que saudade o lembro e o bendigo:

Campo de flores E silvas...
Fonte da vida fui. Medito. Ordeno.

Penso o futuro a haver.

E sigo deslumbrado o pensamento Que se descobre.

Quem não me deu Amor, não me deu nada.

Desterrado, Desterrado prossigo. E sonho-me sem Pátria e sem Amigos, Adrede.